O touro
Endemoniados, travestidos de santinhos.
O touro.
Nunca fui rica, mas sempre tive parentes ricos. Quando criança, isso não era uma coisa notada por mim, mas a diferença que fazia era bruta, vejo agora.
Poderia ir nadar na casa do primo, mas não tinha que limpar a piscina. Poderia ver uma piscina de café, mas não tinha que cuidar do café depois disso e, de quebra, também não tinha os lucros da venda dele… faz parte de ser modelito Poliana quando convém…
Poderia ter o prazer de ver um touro de reprodução num cercado cavado na terra (não sei porque me lembro deles assim), mas não tinha que cuidar do resto. Acho que, nesse caso, ainda bem, porque não teria competência para tal.
Sim, sempre preferi ver o lado bom das coisas. O meu lado bom. É óbvio que deixava de lado outros lados bons, mas a vida é isso, cheia de escolhas.
Lógico que só agora faço tais considerações porque, quando passeando na fazenda ou usufruindo da piscina, nem pensava nada disso.
Uma noite sem energia elétrica, somente com luz do fogão ou da lareira, colchão de palha, pés no chão, banho gelado.
Dia seguinte, correria atrás da cabra ou da vaca, para pegar o leite do café da manhã → por incrível que pareça agora, nem precisava de açúcar, parecia já adoçado ← comida no fogão de lenha, pão assando e mil brincadeiras todas inventadas por nós. Não havia internet, nem celular. Dizendo a verdade, nem telefone tinha, nem televisão.
Depois, no pomar, subir na árvore para escolher a melhor laranja ou, no pé de jabuticaba, para comer e cuspir o caroço em quem ficava embaixo. Depois que descesse, sair correndo para não receber a “vendeta” de quem foi cuspido… isso quando o cuspido não subia também… era divertido demais!
De noite, reunião no terreiro perto do fogaréu, com alguns contando estórias escabrosas, para todos à volta. Acreditar ou não, já era decisão sua, mas como todos dormíamos juntos, o medo se dissipava logo.
Às vezes, eu acreditava e sentia medo legítimo.
Era demais!
E assim, por vários dias, nos fazia um bem danado. Mas, aos poucos, aquela rotina ia mudando.
Explorações em outros locais da fazenda. Nas baias de cavalos ou nos abrigos dos touros.
Tinha um touro especial naquela vez. Todo negro, diziam que ele era o poderoso. Podia “cobrir”, não sei quantas vacas. Eu não sabia muito bem o que aquilo significava, mas não vinha ao caso naquela época.
Era especial. Tinha um brinco prateado nas narinas e bufava alto e arrastava as patas no chão de terra, parecendo querer firmar a identidade, acrescentando os itens “bravo” e “perigoso” como um neon na testa (coisa que só penso agora, pois, na época, também não sabia o que era neon). Era assustador e encantador.
Medo e encanto andavam juntos naquelas férias na fazenda.
Mas, o melhor, ou pior, ainda estava para acontecer…
Sem noção do perigo, os meninos pulavam no lombo do touro e apostavam quanto tempo cada um resistia.
Por incrível que pareça, nenhum nunca pereceu, pelo menos enquanto eu presenciava tais acrobacias… as dos meninos e as dos touros.
Nós, os mais contidos, ficávamos sentadinhos, torcendo por nossos preferidos. Nem imaginávamos o que aconteceria se um deles caísse sob as patas daquele animal enorme. Nunca aconteceu!
Até hoje, ainda não atinei como eles pulavam no lombo do bicho e depois pulavam de volta para a segurança da superfície, acontecia tudo em segundos. Eles, os meninos, primos, eram esguios, hábeis, ágeis.
Hoje eu diria: “Eram da pá virada”, se é que ainda se usa isso… eu uso.
Depois voltávamos para a Casa Grande e não mais tocávamos no assunto, especialmente na presença da matriarca, a tia. Éramos endemoniados, travestidos de santinhos.
Percebo que me diverti muito na infância, e percebo mais ainda, agora que recordo como é que fazíamos isso.

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