O porteiro que sabia demais!
O PORTEIRO QUE SABIA DEMAIS!!
Era um prédio comum, com pessoas comuns, até enfadonhas, quietas e introspectas. Cada uma cuidava somente de sua própria vida, sem interferir na vida dos outros. É o que se dizia à boca pequena.
Tudo era harmonioso, todos se respeitavam e viviam bem.
Era o que a maioria pensava até o dia em que o porteiro resolveu falar, desabafar… Um fato inusitado, inesperado, escandaloso e odioso.
Tomado por um desespero insano, inexplicável, ele sai para a rua, abandonando seu posto. Grita palavras impublicáveis e começa histericamente a delação com o primeiro andar. São quinze.
Ninguém ainda está prestando atenção. Alguns já estão dormindo. É madrugada.
Aqui, a ordem do ditado se inverte. “Os primeiros serão os últimos”… a serem atingidos. Como disse, a maioria dorme. Não estão acordados ainda para as denúncias do primeiro andar.
Seus brados ressoam de andar a andar, pelos vãos das escadas e pelos elevadores. Os banheiros retrucam seus xingamentos, e os quartos, antes silenciosos, começam a murmurar e estranhar os sons nunca antes ouvidos.
Quando seu som se torna estridente, impossível de articular claramente as palavras, algumas janelas começam a se abrir. Os balcões das varandas se acendem e cabeças estranhadas começam a visar o sujeito embaixo, que vomita impropérios.
Ele pula histericamente sobre o asfalto, parecendo alguém que acha que sabe voar. Ele tenta, mas retorna pesadamente toda vez, depois de seus braços açoitarem impiedosamente primeiro sua cabeça e depois seus quadris.
Alguns condôminos, já entendendo o que se passa, se identificando com o palavrório, tentam calá-lo com “shiu”, “shiii”, “fique quieto” e outros mais temerosos e culpados ousam já gritar:
— Cala a boca, seu doido! Sou eu que pago seu salário!
Mas, de nada adianta, o desvairado porteiro está fora de si. De tanto calor, de tanto pular, começa a se despir.
Ele está agora dando conta do terceiro andar.
O primeiro e o segundo andar, já denunciados, recolhem-se desolados, arroxeados com as palavras cuspidas com toda maldade pelo porteiro.
A senhora do terceiro andar tenta atingi-lo com um balde de água, e erra fragorosamente.
Uma cabeça, que não é a do marido, aponta vagarosamente ao lado dela, tentando ver, sem aparecer, e é imediatamente golpeada por ela.
— Eu sabia!! Viu? Foi o que eu disse! — grita o porteiro lá de baixo, apontando o dedo e iluminando a sacada dela com uma lanterna potente.
Realmente, algum ser do mal toma conta do pobre homem. Não satisfeito ainda com a repercussão de suas blasfêmias, entra novamente na portaria e aciona o alto-falante.
Se achavam que ele tinha sossegado, quando o veem entrando, eles estavam enganados.
Já praticamente despido, ele pula na piscina. Continua vociferando, e avisando ao quarto andar que é só uma questão de tempo. Ele só precisa descansar um pouco.
Não se sabe o que fazer com ele. Chamar a polícia é inviável. Vai que ele fala tudo lá na delegacia.
Ambulância? Quem vai explicar a razão dele ter desvairado dessa maneira?
Agora, todos se dão conta de que só conhecem o porteiro. Não sabem de seus familiares, de seus parceiros, nada, não sabem de ninguém mais relacionado a ele.
Dona Zica, da cobertura, desce correndo de elevador com uma jarra de água com muito açúcar.
Chega perto do porteiro que ainda está na piscina. A água fria parece já ter tido um efeito benéfico. Ele parece agora uma criança malcriada, mas com intervalos entre as maldições gritadas.
Ela chega perto aos poucos, com medo, mas torcendo para que ele aceite o copo de água com açúcar que ela oferece. Sorri sem graça, diz que o compreende, estica a mão na direção dele.
Ele para por um momento observando aquela senhora, com movimentos estranhos, ar meio aparvalhado, abobado… Ele começa a parecer agora um robô, fazendo movimentos estanques ainda dentro da piscina.
Ele parece ficar hipnotizado, embevecido com a figura de dona Zica. Sai da piscina, bebe a água que ela lhe oferece, entra novamente na área da portaria. Ele se acalma e dona Zica entra com ele.
Os condôminos respiram aliviados e agradecidos à dona Zica, que ainda parece querer acalmá-lo e parece estar conseguindo.
O alto-falante ainda está ligado.
— Zica, eu disse que você voltaria para mim.
— Pare com isso. Os outros não precisam saber.
— Você não me respondeu, não atendeu meus telefonemas, nem respondeu minhas mensagens. Eu não podia ir até sua casa, então…
Isso e tudo o mais ressoa em alto e bom som por todo o condomínio.
O prédio nunca esteve tão iluminado, nem sequer no Natal. Todas as janelas são acesas. Todos espiam por ela, pensando que Dona Zica, a tão pura e recatada senhora da cobertura, tem também segredos como eles.
Ninguém imaginava as artes de dona Zica e seu Natanael.


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