A banda de surdos
A torcida era ensurdecedora.
Nada se ouvia além do vozerio da multidão que repercutia pelo estádio afora, ainda ajudado pela captação dos alto-falantes, distribuídos em vários pontos das arquibancadas e das poderosas caixas de som que repercutiam o entusiasmo da torcida.
Nos momentos de expectativa, o silêncio ensurdecedor só era quebrado pela banda de surdos. Aqui também, paradoxos!
Explicando o “silêncio ensurdecedor” -Paradoxos a parte, sempre me preocupando em manter familiaridade com a natureza humana.
A banda de surdos começava com um ritmo lento, mas forte, pungente, marcando o ritmo com acinte, aumentando devagar e sempre, entrando aos poucos numa velocidade insana, que incitava todos ao seu redor, a dançarem na frenética e agitada velocidade alcançada pelos ânimos dos enlouquecidos surdistas.
Em um momento a banda de surdos marcava no ritmo das batidas do coração da torcida e em seguida o coração da torcida aumentava no ritmo da banda dos surdos até a exaustão.
Só paravam para recuperar o fôlego e recomeçar na próxima expectativa de uma loucura vindoura. Todos ofegantes, suando em bicas.
A turba já aguardava a banda dos surdos assim que o clima do jogo ameaçava nova investida em maluquices.
Fulano ia chegando perto do gol, com a bola nos pés, driblando magistralmente seus oponentes e era o que bastava para que a banda dos surdos já tivesse começado a acelerar o som que fazia, parecendo um grito de guerra, uma selvageria do cérebro primitivo que urgia se manifestar para alcançar seu objetivo de conquista.
Nesse momento, toda a arquibancada tanto atiçava os ouvidos para a banda dos surdos como não despregava os olhos da jogada vindoura.
Os mais ousados alternavam seus olhares para o campo e ou para a banda dos surdos.
Já não se distinguia mais o que mais animava. Se o jogo ou a expectativa da comemoração da banda dos surdos para qualquer possibilidade de qualquer eventual evento comemorativo.
Na iminência de um gol, ou de uma cobrança acertada de pênalti, ouvia-se a banda de surdos agredir todos os ouvidos possuídos pela ansiedade, num ritmo crescente, cada vez mais louco.
Uma falta não cobrada.
Uma falta ignorada pelo juiz, um deslize proposital na perna do adversário, um drible magistral, culminando em gol ou numa passagem magnífica de bola, uma “bicicleta” atingindo em cheio a rede em um gol fenomenal, tudo era saudado pela banda de surdos junto com gritos indignados:
-Juiz ladrão!
-Juiz vendido!
- Filho duma..**
E lá ia a banda de surdos dar continuidade e apoio para os xingamentos levados a cabo para cada falha e ou falta julgada pela arquibancada dos torcedores.
Ao final do jogo, cada um carregava seu surdo para, na próxima comemoração, juntar-se aos demais surdos e formarem novamente um coro magistral numa banda de surdos.
Com tantos surdistas à disposição numa comemoração, não há jamais perda do ritmo. A banda de surdos garante.
As saudações militares, comemorações sempre contam com a banda de surdos a marcarem o compasso dos pelotões que desfilam pelas ruas das cidades.
Bada bada ban!!
Glossário
Banda de surdos – um monte de instrumentos musicais de percussão, usados inclusive para salientar o ritmo das músicas, o que funciona muito bem para um surdo humano.
Silêncio ensurdecedor – metáfora de pobre de espírito
Evento comemorativo – nada com nada. Bom para copywriter de folder de venda.
Na iminência – quase aconteceu! Só que não!
Surdistas – Os tocadores da banda.
Pênalti – ou a penalidade máxima ocorre quando um jogador, dirigindo-se ao gol adversário, sofre uma falta dentro da grande área.
Gol fenomenal – aquele que acontece no mundo paralelo. Ninguém acredita!
-“bicicleta” – contorcionismo erótico que pode culminar em um gol fenomenal. Puro acaso.
-Juiz ladrão! -Juiz vendido! – Filho duma..** Os melhores e mais discretos elogios a um juiz já ouvido das arquibancadas.
Ritmo – a chave de ouro duma música. Sem ele a música não existe.
Compasso – Na notação musical, um compasso é uma forma de dividir quantitativamente em grupos os sons de uma composição musical, com base nas batidas e pausas (pulsos). Wikipédia.
Bada bada ban!! – frivolidades de quem não sabe o que escrever.

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