A Doce Senhora

Eu ia em direção aos recicláveis, politicamente corretos, com meu saquinho de garrafas, separadas num segundo saquinho.

Antes da garagem, onde ficam os contêineres, o elevador faz uma pausa, entra uma elegante senhora, lá pelos seus oitenta, noventa… magra, alta, cabelos curtos, mas muito bem penteados e cheios. Roupas acompanhando a elegância do rosto, das mãos, que embora idosas, mostram cuidado e esmero.

– Bom dia! – digo eu – foi a educação que recebi. “Cumprimente outros quando cruzar com eles”.

E, inicia-se um monólogo inusitado, por vezes divertido, por vezes assustador e eventualmente diálogo.

– Bom dia, de onde você vem? – pergunta a elegante senhora.

– De cima, do alto do prédio. – eu já sorrio e aponto para cima com meu indicador. Estou achando que será uma conversa rápida, afinal sou novata no prédio, mudamos recentemente, só conheço os porteiros e ninguém mais.

Ela sorri também, olha para mim e, se mostra muito simpática.

– Como se chama? – ela me pergunta.

Digo meu nome e ela, em seguida, ela engata na conversa.

– É italiano! Encontrei uma italiana ali outro dia, ela me disse que o nome que eu queria não era muito interessante, sugeriu outros, mas eu não gostei.

Fiquei olhando para aquela senhora, tentando não parecer muito idiota, tentando entender o que ela me dizia, mas sem entender nada. E ela continua.

– Eu ia nomear minha filha. Não podia ser um nome qualquer. Precisava ser agradável, sonoro, que evocasse bons pensamentos. – Como você se chama?

Repeti o nome, não fazendo menção ao fato que já havia dito uma vez. Não queria sugerir que ela era esquecida. Se bem que, se fosse mesmo, não ia nem notar minha expressão.

Chegamos na garagem, ela desce, eu também.

– Estou indo lá, buscar uma coisa.

E ela aponta numa direção que é um verdadeiro enigma. Pode ir buscar qualquer coisa naquela direção. Tem carros, contêineres de recicláveis, carrinhos de supermercado que servem para os condôminos levarem suas compras para seus apartamentos, alguns móveis esquisitos em uma garagem, enfim, uma esbórnia emaranhada para servir seus senhores.

O mundo cabe lá… Mas quem sou eu para levantar uma dúvida sequer sobre aquilo que me pareceu um monólogo?

Achei mais prudente aguardar a fala seguinte!

Continuei sorrindo como se fosse tudo normal.

Dá medo fazer uma pergunta procurando especificação de informação, mesmo porque não me serve de nada. Não vai modificar o meu mundo. Sigo quieta, deixando a comunicação, mesmo que unilateral, por conta dela.

Certamente as partes faltantes da lógica do discurso estavam na cabeça dela. Ela preenchia os espaços com o que ela acreditava ter vivido e usando uma linguagem alienígena, falava comigo, um ser que se movia na frente dela. Acho que era isso que ela percebia.

Ou não, pois eu já não entendia mais nada, mas entendi imediatamente que era melhor não tentar entender.

Seguir o caminho ou ficar estática, olhando para ela, já era suficiente para eu me manter dentro do que chamava de educação, preservando sutilmente minha sanidade, ou pelo menos, achando que preservava.

Ela se ofereceu, como veterana moradora, que recorresse a ela para o que precisasse, se precisássemos.

Fiquei imaginando que, se eu precisasse dela realmente ela saberia então quem eu era, ou… quem eu seria…

Da mesma forma, disse a ela que ficasse à vontade para me chamar caso precisasse de algo. Não sei muito bem o que ela faria por mim e o que eu faria por ela, mas falar por falar, todos falamos.

E foi assim que, agradecendo ao divino, consegui dizer “bom dia” e seguir relativamente sã de volta ao meu apartamento.

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