Espírito De Porco
“Espírito de porco”, é o nome que recebe, até hoje, molecagens inconsequentes, perigosas.
Deve haver uma explicação lógica, pois nunca vi um porco fazer uma molecagem, mas isso não vem ao caso aqui.
Explico o contexto ao qual me refiro:
Imagine uma rotatória, com três carros circulando por ela com distâncias equidistantes e velocidade rápida. E os três carros em “loop” na rotatória. Imagine um círculo de 360º, e 3 carros, cada um num ângulo de 120° do outro.
Era madrugada, voltávamos de uma festa.
Uma das paradas necessárias para chegarmos em casa era nessa rotatória. Tinha uma divisão de saídas dali.
Íamos para casa, outros iam para outras cidades, caminho de bares, restaurantes e muito movimento, embora fosse madrugada.
Era um fim de semana. Todos estavam, provavelmente voltando ou vindo de algum lugar, algum festejo, algo bom enfim.
Bem, nem todos. Ao lado de nosso carro havia um caminhão, enorme, carregado com enormes cilindros.
O motorista estava provavelmente a trabalho. Iria sair para a estrada, fazer uma entrega, receber seu frete e voltar para casa. No mesmo dia ou em dias posteriores.
Paramos na rotatória, nosso carro ao lado do caminhão. A mão preferencial era, na época, dos motoristas que circulavam a rotatória.
Três rapazes, suponho rapazes pelo modelo dos carros, pelos rostos zombeteiros e sorridentes… circulavam a rotatória em intervalos exatos. Intervalos e velocidade calculados exatamente para que não desse tempo de nenhum dos carros das pistas, que precisavam dar continuidade para suas vidas, conseguissem atravessar, ou mesmo fazer também a rotatória.
Estavam visivelmente combinados. Planejaram aquilo. Parecia inclusive que haviam treinado para aquele “loop infinito”, (aceitem a tautologia, ela é necessária para compreensão correta da confusão provocada), tão cronometrados estavam.
Aqueles rapazes que, ou não tinham muito o que fazer, ou não tinham muito o que perder, nem muito o que ganhar, com motivação insípida, circulavam a rotatória, com os faróis ligados, obstruindo e impedindo todos de passarem.
Talvez fossem rapazes que tinham um carro à sua disposição somente quando os pais o permitem, isto é, no fim de semana, ou quando tinham os carros o tempo todo e não tinham responsabilidade sobre nada mais.
Na rotatória iluminada, dava para ver seus rostos rindo das artes que faziam.
Buzinadinhas marotas, flashes dos faróis dos carros deles denunciavam o sucesso que achavam ter.
A felicidade deles de, por algum tempo, pelo menos, serem figuras importantes na vida dos outros. Travando o trânsito, boicotando encontros planejados, modificando programas feitos.
Pareciam sentir-se, afinal, pessoas com alto status, pelo menos naqueles raros momentos que, ruidosamente, impediam outros de irem para seus destinos.
Pareciam sentir-se poderosos, talvez desafiando algum medo interior que não pudessem resolver. Ali, com aquelas máquinas poderosas, que lhes serviam de escudo, talvez estivessem se sentindo capazes de impressionar a quem eles mais temiam se estivessem sem tais máquinas.
A distância que mantinham era exata para os motoristas das pistas de ida e vinda ficarem com medo, ficarem precavidos com um possível acidente, caso avançassem em algum intervalo mínimo dado entre os carros.
Dava para ouvir o ranger de motores nas pistas paralelas, aumentando cada vez mais, à medida que os motoristas, impedidos de avançar, percebiam a regularidade das voltas que os rapazes davam e a intenção deles naquele momento.
Os rapazes rodavam, rodavam, riam, e a quantia de carros nas pistas de idas e vindas aumentava cada vez mais.
Ninguém de nós tinha coragem de tentar atravessar a rotatória.
Talvez, alguns dessas pistas, que precisavam atravessar a rotatória, já tivessem chamado a polícia, mas mesmo ela, a menos que viesse pela ilha do meio, não conseguiria chegar até os rapazes.
Já se ouvia sirenes, mas não parecia que os rapazes estavam se importando. Continuavam rodando a rotatória numa sincronia inigualável.
O caminhão ao nosso lado já tinha percebido a armação dos rapazes há algum tempo.
Ele já tinha buzinado, já tinha dado sinais de farol, tentando fazer os rapazes desistirem daquela brincadeira perigosa que estavam fazendo.
Tudo em vão. Eles continuavam rodopiando a rotatória na mesma sincronia de antes.
De repente, o que eu mais temia aconteceu.
O motorista do caminhão botou seu monstro em movimento.
Cansado da palhaçada da juventude inconsequente, ele começou a avançar na curva da rotatória.
Aquele enorme veículo, aquela enorme boleia, aquelas enormes carrocerias carregadas com cilindros, provavelmente de usina, começaram, vagarosa e teimosamente, entrar na rotatória, onde um dos carros dos rapazes inconsequentes já adentrava novamente a curva.
O resultado seria catastrófico se eles não conseguissem parar. Parece que o universo inteiro parou de respirar para aceitar, fosse qual fosse o resultado daquela decisão.
Freadas violentas foram ouvidas, e em seguida, batidas consecutivas.
Os três astros da palhaçada perderam seu picadeiro e caíram na lona. Como se pode imaginar, o segundo carro foi o mais danificado. Atingiu o primeiro e foi atingido pelo terceiro.
Eles literalmente se “empacotaram” no meio da rotatória.
Somente alguns arranhões premiaram os rapazes, ainda bem, mas os carros, especialmente o segundo, provavelmente teve perda total, enquanto as pistas de ida e vinda ficaram liberadas e todos saudavam o caminhão com leves buzinadas, que agora transitava altaneiro pela estrada à frente.
A melhor alternativa deles foi conseguirem frear e não bater no caminhão, pois aí a situação seria caótica de fato, mas quero crer que até isso o motorista do caminhão soube calcular. Entrar na rotatória numa distância que permitisse aos infelizes “moleques” frearem.
Frearam, um pouco atrasados, parecendo que para isso não haviam treinado.
Afinal, o motorista anônimo do caminhão foi o herói da noite, o herói da estrada, o herói de todos.

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