O tornado

Quantas vezes na vida a gente não sente que recebeu um bônus de vida?

Quantas vezes a gente não constrói a frase:

— Se não fosse assim, eu teria morrido?

Aconteceu comigo muitas vezes.

A vez do avião que perdeu altitude.

Era uma vez uma mãe e um pai… nhéééc foi o barulho que a estrutura do avião fez. Parecia que ia se partir ao meio, quando afinal, parecia ter conseguido estabilidade novamente… ou foi minha vontade de viver que, esperançosamente pensou assim.

Já tínhamos saído de um voo conturbado, quando desembarcamos em Miami de Nova York. Soubemos que um tornado tinha tomado conta dos pousos e aterrizagens nas últimas horas.

Nosso voo, depois de um passeio, muito gostoso pela Filadélfia, nos trazia de volta para casa. Tudo parecia bem até Miami.

Só até lá…

Aeroporto, um pandemônio. Pessoas que esperavam o voo atrasado, pessoas que esperavam pessoas atrasadas de outros voos, gente chegando, gente indo até que fomos avisados que, por várias horas, as decolagens estavam suspensas.

Logicamente estava tudo atrasado.

Finalmente embarcamos, mas continuamos na fila. Agora fila de aviões na pista de decolagem.

A fila de decolagem era infinita. Perdíamos de vista o primeiro e o último avião. Não dava nem para desistir do voo, a menos que eu tivesse um chilique. Ficaria feio, melhor não!

Finalmente levantamos voo, chacoalhando feito pipocas estourando, um senhor passou mal e foi logo atendido pelos comissários de voo… eles são rápidos em disfarçar as desgraças.

Tudo bem, tudo começou a se acalmar, apesar da turbulência, quando, do nada, eu flutuei na poltrona e com um baque, me vi sentada novamente.

Um piloto que nos acompanhava na ala de passageiros, disse que o avião tinha despencado, pelo menos uns duzentos metros.

E em seguida aconteceu o ranger de dentes da estrutura de metal do dito, que fora feito para voar, mesmo não tendo nascido para tal.

Aquele som era apavorante. Entre a esperança de ser o avião se alinhando de novo e ele se partindo tal o tranco sentido, pairava o pavor da ignorância. O cheiro do medo era presente.

E nós, mortais metidos, dentro daquela caixa voadora, experimentando um tantinho (para não falar o “tantão” que significa) da impotência. Traduzindo… total impotência.

Não há o que fazer, a não ser rezar para todos os deuses, implorando para algum deles te atender.

Ou, na iminência da maluquice, pedir asas para voar. Não vai acontecer, mas a gente tenta.

São segundos, mas segundos que ensinam mil coisas, mas a principal sempre é:

– Peraí, ainda tenho muitas coisas a fazer… dá um tempo!

Não tínhamos saído ainda da turbulência e para ajudar o piloto anuncia que mantenhamos o cinto apertado, porque temos turbulência.

Como se ninguém tivesse notado o pinote do avião minutos antes. Chega a ser hilário. Histéricos todos estavam, mas mudos, pois todos os gritos de pavor já tinham sido pronunciados, quando da caída do avião (num vácuo) segundo o piloto amigo.

Além do que, ele disse que justamente a densidade do ar debaixo do vácuo é que nos tinha mantido no ar.

Não sabia se ria ou chorava. Ele certamente quis que desenhássemos em nossas mentes um bolsão salvador, onde o ar circulante nos mantinha vivos. Pelo menos foi o que desenhei na minha cabeça, para me acalmar.

Funcionou… tirando as chacolhadas que o avião dava pela turbulência ainda forte, o resto da volta, foi amena… vamos dizer… amena. Não sei o que fizeram com o senhor que passou mal. Não soubemos mais dele.

Glossário

Altitude – É onde você jamais quer estar quando o início da frase é… O avião perdeu…**

Tornado – Ventos não muito amigos que competem com a qualidade de um voo, especialmente quando é você no avião.

Pandemônio – tudo o que se pode imaginar de bagunça.

Chilique – vontade que se tem quando se percebe impotente.

Comissários de voo – Anjos salvadores, – nem sempre.

Turbulência – aquele chacoalho básico que faz qualquer herege voltar a crer nos dogmas.

Flutuei – o que jamais deveria ocorrer, estando já sentado no banco de um avião.

Ranger de dentes – a lamentação metálica depois de um tranco.

Caixa voadora– seu modo de criticar os construtores de avião que não preveem formas de te salvar sempre, de qualquer desgraça.

Total impotência – é o sentimento tipo “E agora José”?

Pinote– o sentimento de ter sido detido por algo, mas ainda flutuando um pouco.

Vácuo – o nada, literalmente.

Bolsão salvador – a imagem formada como salvação.

Posts Similares

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *