Quando Quase Morri – Marilin
Uma das vezes que quase morri…, foi quando conheci Marilin, a égua, e o charme que ela lançava sobre outros cavalos…
Teve outras, conto mais à frente…,
…mas consegui um bônus de vida.
O que acontece se me deixo levar pelo fluxo, nos pensamentos, é claro. Não sei. Vou tentar.
Lembranças de infância, de artes que os pais não podiam saber.
A cumplicidade entre os iguais, entre os pecadores.
Guardávamos a sete chaves as artes praticadas, escondidas, contratávamos parcerias para toda vida.
“Guardo seu segredo, desde que guarde o meu”.
E assim seguíamos mancomunando nossas artes, comprando créditos junto aos que nos pegavam em falta. Trocando o status de poder uns sobre os outros, dependendo do conluio combinado entre os farsantes.
Esquisitices da filha da vizinha da esquina, adotada e ela não querendo mais ser minha amiga.
Tudo é vida, tudo é viver e os primos aparecem para conhecer a prima vinda de outra cidade.
Um deles se apaixona por ela, sem ao menos ela perceber, porque é ainda totalmente criança, mas o admira, ele é bonito e atencioso. Conversam sozinhos várias vezes na sacada da varanda.
Noites bonitas, gostosas. Das palavras faladas nada lembrado, do calor e da emoção, tudo presente no coração.
Ainda assim, as ambições dela são o jogo de amarelinha, a biroca, e o passeio a cavalo alugado na cocheira do Muxiba, no cercado da fazenda, lá embaixo, que dá para ver de sua casa.
Lógico, em uma cidade pequena, montanhosa, vê-se de cima quase toda extensão dos limites.
A praça no cume da montanha, com a Igreja, o Fórum, a prefeitura, uma estátua dum fulano, provavelmente fundador da cidade, ou algum ser muito importante, o passeio entre as árvores e arbustos, cheios de jovens nos sábados e domingos à noite.
O famoso foothing… era moda.
Bares e casas chiques em volta da praça, e o principal clube da cidade, ainda lá, no pico da montanha.
O banco de granito (eu acho), eleito pelos primos, está sempre presente com propagandas das lojas da cidade.
A ribanceira de ruas inclinadas com calçadas até com escadas de tão íngreme, e de lá de cima a visão da cerca da cocheira que abriga os cavalos do Muxiba. Aqueles que a gente aluga no fim de semana.
Todo dinheirinho ganho, toda moeda captada, toda venda que retorna dinheiro é investida depois no aluguel dos cavalos. Ele aluga o cavalo e a montaria, a sela, os arreios e tudo o mais.
Os primos acostumados a cavalgar, vão junto com a prima novata.
— Solta a rédea, senão ela não anda mesmo. Você está freando a égua.
Isso depois de eu reclamar que a égua tinha vindo com defeito.
— Ah! Agora compreendi porque ela estava tão devagar.
Rédea solta e Marilin desata numa desabalada correria.
Em cima dela, o trote e o galope, dão sensações infinitamente deliciosas.
É medo misturado com aventuras, coração disparado pela adrenalina, pernas “para quê te quero” agarradas no lombo dela, vento no rosto, saltos sobre troncos, passadas enormes sobre buracos. Incrível, o animal sabe por onde vai.
Você tem que dar um jeito para controlar o bicho, fazer ele parar, trotar ao invés de galopar, indicar por onde ele deve ir e por onde não deve ir, mas parece que Marilin sabe que sua montaria é novata e ela é que está no comando agora.
É problema seu a atitude do bicho! E é bom devolver depois a salvo para o dono.
Muitas fazendas em volta, porteiras abertas, animais à solta. Vidas mil, encantando a natureza, e medos mil, de coisas incertas que podem acontecer, mas parece que, nessa idade, isso não existe.
O medo é coisa banal que não controla ninguém, e a aventura, leva todos por caminhos lindos, e muitas vezes perigosos, mas não pressentimos isso até a questão fatal estar bem perto.
É o que senti, quando vi as patas de um cavalo preto nas ancas de Marilin, a égua que eu montava.
O enorme garanhão relinchava, empinava, chacoalhava as patas pretas ainda relinchando e as descia nas ancas dela. E minha cabeça estava na rota de aterrizagem daquelas patas negras.
Era lindo e assustador ao mesmo tempo.
Ela, por sua vez, escoiceava o cavalo e eu em cima dela, agarrada, feito carrapato naquela pontinha saliente da cela, parecia um boneco de mola, tentando me manter a salvo daquelas patas com cascos enormes, duros e agressivos.
Não sei como, depois de um coice da égua o cavalo baixou as patas, eu pulei da cela e ainda tive a pachorra de engatar o arreio no morão da cerca (eu tinha que devolver Marilin para o Muxiba) e pular a cerca de arame farpado.
Marilin não queria nada com o garanhão, foi o que me disseram os primos. Parece que, se ela quisesse, eu não teria sobrevivido, porque ela escoicearia para me jogar da cela e não para se livrar do cavalo.
Voltamos todos para casa, assustados, mas felizes da sobrevivência.
Nenhum adulto ficou nunca sabendo até que nós mesmos ficamos adultos. Aí sim, nos aventuramos a contar o ocorrido e até rirmos disso.
Fiquei famosa.
Podia ser comparada aos primos loucos que brincavam de Guilherme Tell mirando a maçã na cabeça dos irmãos com os arcos e flechas improvisados de galhos de árvores e os que montavam no touro no buraco do cercado.
Mas, sinceramente rendeu muita história e horas de conversas durante as férias na fazenda, nas reuniões em volta do fogo, no arraial, onde secava o café.
Fora as vantagens da prima heroína, corajosa e obviamente inconsequente.
Na verdade, não sei realmente como pulei da égua, e fiz tudo aquilo. Pelo menos, me disseram que fiz mesmo.
Dizem que ganhei um bônus de vida.
*************************
Glossário:
-Mancomunando– tramando coisas. Fazendo parcerias escusas…
-Conluio– juntar-se a alguém ou “alguéns” não com boas intenções.
-Foothing– pode não acreditar, mas era o nome que levava o passeio em torno da praça para os que caçavam, e os que eram caçados.
-Ribanceira – uma inclinação doida, de uma cidade montanhosa.
-Muxiba– é alguém “pão duro”, mas era também o nome do dono da cocheira.
-Marilin – era o nome da égua cinza que eu gostava de montar.
-Desabalada– meio que, sem controle.
-Trotar, Galopar – os diferentes ritmos do andar do cavalo.
-Garanhão – aquele poderoso que estava a fim de Marilin… mas, para minha sorte, ela não estava a fim dele. Sobrevivi.
-Ancas – a parte traseira da égua.
-Relinchava – o som do cavalo.
-Escoiceava – o Krav magá da égua. Como ela se defendia.
–Pontinha saliente da cela – fiquei sabendo pelo tio Google que se chama Pito.
-Morão – a madeira que suporta os arames da cerca.
-Guilherme Tell- um herói lendário do século XIV. Diz a lenda que ele cortou pela metade, com arco e flecha, uma maçã que pôs na cabeça do filho. Diz a lenda que o filho sobreviveu.
-Arraial– onde secava o café.
-Bônus – um tempo extra de vida concedido por… não sei quem, mas foi me dito que recebi.

Formigas em Destaque
FORMIGAS Estou inspirada por formigas… ei-las então hoje, de novo em meus “continhos”: Formigas, o assunto da vez. 😝😝😂 A…

Insidiosa A Teia Da Ansiedade.
Insidiosa a teia da ansiedade. O inesperado que nos surpreende. Não necessariamente trazendo alívio e alegria, muitas vezes trazendo pavor,…

UMA COLEÇÃO DE ALMAS
UMA COLEÇÃO DE ALMAS Por quantas almas uma estrada é responsável? Ia eu despreocupada para faculdade, ainda com a fita…

VOU OU FICO?
“O Dilema da Decisão → Levantar ou Não Diante do Desconhecido” — Vou ou não? Levanto ou não? Depois de…

REFLEXÕES CAÓTICAS
Reflexões Titubeantes… se é que isso pode significar algo!! Dizem por aí, temos uma tecnologia que avança a passos largos…